
As urticárias físicas constituem um subgrupo de urticárias crônicas, induzidas por estímulos físicos: frio, calor, pressão, vibração, luz solar, água, exercício, e aumento da temperatura corporal. São mais freqüentes no adulto jovem, e constituem 17% do total de urticárias crônicas. Geralmente as lesões urticariformes são restritas ao local estimulado, porém podem ser difusas. Podem ser adquiridas ou familiares, e exibir associações ou hibridismo atípico. Os estímulos físicos podem induzir a liberação de mediadores após ativação dos mastócitos. A estimulação pode ser direta ou indireta (imunológica). Algumas formas de urticárias físicas podem ser transferidas passivamente (IgE). Procuramos atualizar os conceitos diagnósticos e terapêuticos das urticárias físicas.
Dermatografismo sintomático
Ocorre em 2 a 5% da população geral. O fator precipitante é o trauma cutâneo direto, demonstrado pela aplicação de 3.600g/cm2 de pressão com um dermografômetro. Na prática clínica utilizam-se objetos contundentes. O dermatografismo surge em dois a cinco minutos, e pode durar até três horas. Os sintomas urticariformes são localizados, não ocorrendo manifestações sistêmicas. Em alguns pacientes detectou-se um fator sérico de transferência (provavelmente IgE), e elevação da histamina plasmática. O tratamento consiste na administração de antagonistas anti-H1 associados ou não a antagonistas anti-H2. Foi descrita uma forma rara tardia (três a oito horas após a estimulação, durando 24 a 48 horas).
Urticária colinérgica
Constitui 5 a 7% do total das urticárias. É mais freqüente nos adolescentes e nos adultos jovens. Apresenta urticária com pápulas pequenas (2 a 4mm), presentes em áreas de eritema difuso. Estas lesões predominam no tronco superior e nos braços. Podem ocorrer: manifestações sistêmicas, confluência urticariforme, angioedema, hipotensão, broncoespasmo, e queixas gastrointestinais. O fator precipitante induz a elevação da temperatura corporal. A urticária surge em dois a 30 minutos, e dura de 20 a 90 minutos. A anafilaxia pode estabelecer-se subseqüentemente. Há liberação de mediadores pelos mastócitos (histamina, fatores de quimiotaxia dos eosinófilos e dos neutrófilos). Acredita-se que ocorra uma descarga colinérgica eferente após o estímulo físico provocador.
Os sintomas da urticária colinérgica podem ser reproduzidos pelo aquecimento corporal, exercício, banhos quentes, febre, e reações de ansiedade com calor e perspiração. Postula-se que existam nestes pacientes mecanismos efetores colinérgicos termorreguladores, capazes de induzir a desgranulação mastocitária cutânea. A elevação da temperatura corporal não precisa obrigatoriamente estar associada ao exercício, ela pode ocorrer passivamente. Os ataques podem ser interrompidos pelo esfriamento do paciente (banhos frios).
Podem existir períodos refratários e tolerância, após episódios severos e/ou repetitivos.
Os testes diagnósticos incluem a elevação corporal entre 0,7° e 1°C, através de exercícios ou banhos quentes. Aproximadamente metade dos pacientes exibe positividade ao teste cutâneo com Mecolil (injeção de 0,01 mg de cloreto de metacolina por via intradérmica, e o aparecimento de pápula urticariforme central, associada a outras menores e satélites).
O tratamento consiste em evitar a provocação exógena de aquecimento, no esfriamento corporal, na indução de tolerância (quando possível), e no uso de antagonistas anti-H1, principalmente o anti-histamínico hidroxizina. Em casos refratários à terapêutica convencional, pode-se empregar com êxito o cetotifeno.

Anafilaxia induzida por exercício
É rara. O fator precipitante é o exercício, ocasionalmente associado à ingestão de alimentos. Pode existir uma tendência, familiar. Nos indivíduos em que surge com o exercícico pós-prandial, os alimentos mais comumente envolvidos são: o aipo, os crustáceos (principalmente o camarão) e o trigo. Ela surge em cinco a 30 minutos e pode durar de uma a três horas. O quadro clínico coniste em anafilaxia, podendo acompanhar-se de urticária e angioedema generalizados.
Acredita-se que, nos pacientes suceptíveis, ocorra a liberação de um fator indutor da desgranulação mastocitária. Não há resposta ao aquecimento passivo. Pode ocorrer elevação da histamina plasmática. O teste diagnóstico consiste em "jogging" por 30 minutos. A terapêutica abrange evitar exercícios, e nos casos pós-prandiais a abstinência alimentar por quatro a seis horas antes do exercício, a utilização de antagonistas anti-H1, e o uso de epinefrina (nos EUA é freqüente o emprego de EPIPEN auto-injetor).
Síndromes de urticária a frio
As síndromes de urticária a frio podem ser classificadas em adquiridas (primárias, secundárias e atípicas) e familiares (inflamatórias e tardias). O teste de estimulação com o frio (urticária cinco a 10 minutos após a aplicação de um estímulo a 0°C) é positivo nas primárias e secundárias, e negativo nas atípicas e familiares. As urticárias a frio secundárias incluem: crioglobulinemia, leucemia linfocítica crônica linfossarcoma, vasculites leucocitoclásticas, mononucleose infecciosa, sífilis, sarampo, infestações parasitárias, afecções acompanhadas de crioaglutininas e hemolisinas, criofibrinogenemia, doenças do colágeno, reações medicamentosas (griseofulvina, e contraceptivos orais), e picadas de insetos. As urticárias a frio atípicas incluem: urticárias a frio localizadas ou sistêmicas com os testes de estimulação com o frio negativos, urticária colinérgica a frio, dermatografismo a frio, urticária a frio tardia, e urticária a frio reflexa. As urticárias a frio familiares apresentam hereditariedade autossômica dominante, e podem ser tardias.
As urticárias familiares a frio são raras. O fator precipitante é a exposição ao ar frio. Surge em meia a três horas, sendo que as formas tardias em nove a 18 horas. Duram cerca de um a dois dias. Há uma sensação de queimação cutânea nas áreas acometidas, além de estarem presentes com freqüência: cefaléias, artralgias, febre, mialgias, calafrios, e leucocitose. Não se obteve transferência passiva. A etiologia é desconhecida. Comportam-se como vasculites. As biópsias cutâneas revelam infiltrados inflamatórios com leucócitos polimorfonucleares (forma imediata) e células mononucleares (forma tardia), ambas com edema. Os testes estimulatórios com o frio (cubo de gelo no antebraço e imersão das mãos em água gelada) são negativos. O teste diagnóstico consiste em expor o paciente ao ar frio por 20 a 30 minutos. A terapêutica consiste em evitar a exposição ao frio. O tratamento com antagonistas anti-H1 apresenta resultados precários.
As urticárias a frio essenciais (adquiridas) compreendem um a 3% de todas as formas de urticária. Os fatores precipitantes incluem o contato direto com o frio e/ou superfícies frias. Surgem em dois a cinco minutos. As formas mais severas, geralmente, são mais precoces. Duram uma a duas horas. Melhoram com o aquecimento. Além da urticária pode ocorrer o angioedema perioral (língua e lábios), após o contato direto com bebidas geladas. Acompanham-se freqüentemente de síncope e de outras manifestações anafiláticas. Após a provocação a frio detectou-se a elevação sangüínea de mediadores dos mastócitos. Em alguns pacientes demonstrou-se um fator de transferência (IgE). Pode ocorrer remissão espontânea. Os testes diagnósticos incluem a imersão das mãos em água a 10°C por cinco minutos, e a aplicação de um cubo de gelo, envolvido em plástico, na pele do antebraço por cinco minutos, e o aparecimento de urticária localizada. A terapêutica compreende: evitar a exposição ao frio, ciproheptadina e outros antagonistas anti-H1, doxepina (anti-H1 e anti-H2), e quando possível a indução de tolerância. Convém salientar a existência de uma forma peculiar de dermatografismo a frio, que só ocorre em pele esfriada.
Em 1981, foi descrita uma nova modalidade de urticária física a frio: a urticária colinérgica a frio. Descrevemos o primeiro caso brasileiro. Consiste na coexistência da urticária a frio com a urticária colinérgica, num mesmo paciente. Os fatores precipitantes são decorrentes da exposição ao frio, o teste intradérmico com Mecolil pode ser positivo, os testes cutâneos estimulatórios do frio são negativos, as lesões urticariformes são semelhantes às da urticária colinérgica, porém não há associação com a elevação da temperatura corporal. O exercício só é indutor da urticária se for realizado em ambiefte frio. Pode ocorrer elevação da histamina plasmática. Há boa resposta terapêutica com a associação da ciproheptadina com a hidroxizina.
Urticária localizada por calor
Muita rara. O fator precipitante é o contato quente (calor). Surge em três a cinco minutos e pode durar uma hora. Além dos sintomas locais urticariformes podem estar presentes: cefaléia, tonteira, cólica abdominal, broncoespasmo, e síncope. Não é transferida passivamente. Diagnostica-se este tipo de urticária aplicando-se um cilindro aquecido (50 a 55°C) na pele por cinco minutos. É possível a indução de tolerância. Trata-se de uma erupção urticariforme localizada, induzida pela aplicação cutânea de calor, com ou sem manifestações sistêmicas. O mecanismo etiopatogênico é desconhecido. Não há tratamento medicamentoso satisfatório
Urticária aquagênica
É muito rara. O fator precipitante é a água, em qualquer temperatura. Surge em dois a 30 minutos, e dura de 30 a 60 minutos. A indução aquagênica ocorre por contato. Não há manifestações sistêmicas. Pode ocorrer elevação da histamina plasmática. O teste diagnóstico consiste em comprimir a pele com água a 35°C por 30 minutos. A terapêutica inclui o uso de óleos e anti-histamínicos anti-H1 (hidroxizina terfenadina).
Urticária e angioedema por pressão (tardios)
Ocorre em menos de 1% do total de urticárias. O fator precipitante é a pressão. Surge em três a 12 horas, e dura de oito a 24 horas. Há urticária dolorosa. Podem ocorrer astenia e leucocitose. São fatores indutores: a caminhada, o bater de palmas, o sentar prolongado, o emprego de ferramentas manuais, e o uso de cintos e elásticos no vestuário. As lesões cutâneas surgem tardiamente. O teste diagnóstico consiste em aplicar um peso de 7kg por 20 minutos, e observar a pele por quatro a oito horas. Pode haver resposta terapêutica a antagonista anti-H1, corticosteróides, e antiinflamatórios não-esteróides.
Urticária solar
Ocorre em menos de 1% de todas as urticárias. A luz solar é o fator precipitante espectro entre 280 a 320nm e entre 400 a 500nm). Pode haver um fator de transferência. A histamina plasmática pode elevar-se. Surge em um a 30 minutos e pode durar de 15 minutos a três horas. Ocasionalmente está acompanhada de "rash" morbiliforme e de anafilaxia. O teste diagnóstico consiste em expor a pele ao espectro da luz solar suspeito. Pode persistir por anos, e geralmente os pacientes são saudáveis. Raramente pode estar associada ao lúpus eritematoso e a protoporfiria eritropoiética. É mais comum na quarta e quinta décadas da vida. Em 20 a 30% dos casos ocorre remissão espontânea. A administração de anti-histamínicos anti-H1 (hidroxizina), aproximadamente uma hora antes da exposição, é benéfica. Os pacientes devem evitar exposição à luz solar, e utilizar protetores solares (ácido para-aminobenzóico). Outras modalidades terapêuticas incluem os antimaláricos e o beta-caroteno.
Angioedema vibratório
É raro. O fator precipitante é a vibração, precipitado, entre outros, por andar de motocicleta, moer a grama, e esfregar-se com toalhas vibratórias. Surge em um a cinco minutos e pode durar até 24 horas. Há o aparecimento de angioedema proporcional ao estímulo. Ocasionalmente ocorre cefaléia associada. É autossômica dominante. A histamina plasmática pode elevar-se. O teste diagnóstico consiste na vibração do antebraço com vórtex por cinco minutos, havendo um aumento na circunferência do braço. Os mecanismos patogênicos são desconhecidos. A terapêutica inclui: evitar a vibração, agentes anti-H1 (resposta variável), e quando possível a indução de tolerância.
CONCLUSÕES
As urticárias físicas são dermatoses com disfunção mastocitária, caracterizadas pela diminuição do limiar para a degranulação citoplasmática de mediadores, após estimulação por fatores de natureza física. Esses indutores ambientais incluem variações térmicas (calor e frio), trauma cutâneo, pressão, vibração, luz solar, exposição à água e exercícios. Essas dermatoses podem ser clássicas ou atípicas, adquiridas ou familiares. Cerca de 20% dos pacientes portadores de urticárias crônicas apresentam urticárias desencadeadas por agentes físicos.
O tratamento consiste em evitar a exposição aos fatores precipitantes e farmacoterapia sintomática com antihistamínicos acompanhados, em determinadas situações, de medicações antiinflamatórias. A tolerância aos agentes físicos é ocasionalmente induzida. As urticárias físicas podem estar associadas à anafilaxia. Requerem, portanto, atenção médica contínua e especializada.
Autoria
DR.MÁRIO GELLER
Presidente da Seção Brasileira do American College of Allergy, Asthma and Immunology Public Relations Network. Governador da Região Brasil do American College of Physicians-American Society of Internal Medicine.